terça-feira, 20 de setembro de 2011


Voltas que a vida dá
Meu amigo Ricardo de Melo, homem prudente e habilidoso, conseguiu à custa de enorme economia juntar fortuna regular.
Esforçara-se durante muito tempo no trabalho árduo e a riqueza, coroando-lhe os esforços, o ajudara a estabelecer-se com rendosa indústria manufatureira.
Entretanto, apesar de estar financeiramente bem, Ricardo não modificou sua maneira de ser.
Habituara-se à poupança e ao controle excessivo dos mil réis sem dar-se conta de que já podia usufruir de maior conforto e menos preocupação com a manutenção de sua família.

E assim, ele vigiava o horário dos empregados, na fábrica, calculando o custo dos minutos perdidos nos atrasos comuns durante o serviço. Em casa, não permitia o menor deslize no orçamento magro, jamais propiciando aos familiares o conforto e as vezes as coisas mais necessárias. Quando a esposa, aborrecida, aludia à sua vantajosa situação financeira, ele dizia:
- Você que pensa! Eu é que sei dos compromissos e responsabilidades! Não. Não posso gastar de maneira alguma.
E a mulher tristemente remendava ao máximo as roupas da família e fazia tremenda ginástica para não sair do magro orçamento doméstico.

Desta forma, os bens de Ricardo duplicavam sempre, sem que ele mudasse o padrão de vida a que desde jovem se habituara. Ao contrário, com o correr dos anos, foi ficando pior. Não tirava férias para melhor poder vigiar o negócio, era sempre o primeiro a chegar e o último a sair. Não tinha por isso tempo para dedicar-se ao aconchego familiar. Mal parava em casa. Desenvolvia enorme atividade no sentido de exercer o controle de tudo e assim neurastenia tornou-se inevitável, e com ela o desequilíbrio orgânico.
Mas, era inútil a insistência da família. Ricardo não descansava.
Certa madrugada, foi chamado às pressas. Irrompera violento incêndio em sua fábrica. Ninguém descobriu a causa do sinistro, entretanto, toda a indústria foi destruída. Sobrou, diante dos olhos esbugalhados e febris de Ricardo um amontoado de ruínas fumegantes. Nada pôde ser salvo, nem uma peça. E, como por medida econômica Ricardo não fizera o devido seguro contra incêndio, ficou positivamente na miséria.

Em virtude do choque emocional, foi acometido de séria enfermidade, guardando leito por algum tempo. Quando melhorou, ficou com o braço direito imobilizado e inútil.
Incapaz de recomeçar a vida por questões psíquicas, além do defeito físico, Ricardo, sem recursos outros para viver, ficou na dependência dos filhos que viviam de modesto salário.
Todavia, habituastes ao pensamento de que o pai gastava pouco e porque ele nunca lhes dera dinheiro para as menores coisas, obrigando-os ao trabalho se precisassem de algo, não se sentiam na obrigação de serem pródigos para com ele.
Mas, ainda assim, enquanto os dois rapazes eram solteiros e residiam com os pais, as coisas se arranjaram regularmente, mas depois que se casaram e saíram de casa formando o seu próprio lar, a situação tornou-se calamitosa.

Ricardo e a esposa, recebiam pequena mesada que mal dava para a modesta refeição e com seu precário estado de saúde Ricardo precisava de medicamentos cada vez mais caros.
Seu corpo envelhecido requisitava maior necessidade de agasalho.
E, se alguma vez engolindo a revolta interior ele se dirigia aos filhos solicitando aumento da magra pensão, ouvia invariavelmente:
- Por agora é só o que posso dar. Tenho família a sustentar.
O senhor não sabe minhas responsabilidades e os meus compromissos!
Quando lhe morreu a companheira, nenhum dos dois abriu-lhe as portas do lar. Alegando necessidade de tratamento especializado e para melhor atendimento médico, internaram-no em um asilo de velhos.

Foi amargurado e triste que Ricardo retornou ao plano espiritual, depois de algum tempo de perturbação. Trazia um amontoado de queixas contra os familiares o que muito prejudicou seu pronto equilíbrio.
Foi por isso visitado por amoroso instrutor, desejoso de ajudá-lo.
Diante do carinho e da atenção que foi objeto, Ricardo não conteve as lágrimas e com voz triste tornou:
- Ai! meu amigo. Como é bom encontrar almas generosas no caminho! Infelizmente eu não tive essa sorte. Deus me deu por família criaturas sem coração que jamais se compadeceram da minha dor.

O mentor amigo, colocando, calmo, a mão sobre o braço do enfermo perguntou:
- Mas... que fizeste para sanar o mal?
- O que podia fazer? Velho, cansado, só e doente?
- A essa altura pouco, realmente. Entretanto, tiveste inúmeras oportunidades, como pai, de construir o amor e a generosidade no coração dos teus filhos. A criança é uma plantinha tenra que cresce em torno da estaca que lhe serve de apoio, se esta for firme e justa, ela crescerá perfeita, na devida posição. Porém, se esta for mal colocada, frouxa e indiferente, a planta proliferará irregularmente, será fraca e mirrada.

Tiveste durante o início da vida ocasião de ensinares os teus a serem generosos e bons e perdeste a oportunidade, valorizando apenas a posse efêmera do dinheiro que infelizmente não te ofereceu felicidade nem segurança; não encontravas tempo para tecer os laços duradouros da estima e da compreensão.
Chamado à responsabilidade, Ricardo baixou a cabeça confuso.
O Mentor prosseguiu:
- Aceita as conseqüências dos teus atos com serenidade e paciência. Se nada plantaste naqueles corações, se nada deste, como querias de lá tirar ou ter direito a alguma coisa? Valoriza a experiência e nunca é demais recordarmos os ensinamentos do Cristo quando nos advertiu: "Não vos afadigues pela posse do ouro, que a traça corrói e a ferrugem consome, mas ajunteis tesouros no céu e sereis felizes".

E, colocando a mão fraternalmente sobre seus ombros curvados terminou perguntando:
- E queres maior riqueza e maior tesouro do que o amor de pai envolvendo e penetrando um coração de filho?

A flor solitária
Em um deserto distante, vivia uma solitária flor. Tão bela, delicada e com um perfume tão bom que a própria areia desviava-se com a ajuda do vento para não molestá-la.

Afinal, era a única flor do deserto... Ela dava à paisagem árida um toque de vida e luz.
- Por que nasci assim? - pensava ela - tão longe de minhas irmãs e primas?

Olhava ao redor e só via areia clara e o céu azul. Os grãos de areia adoravam visitá-la.
Ela, tão linda e colorida, alegrava e dava vida àquele deserto.

Alguns grãos de areia viajavam dias e dias para conhecê-la. Comentavam entre si como era mais bela a paisagem graças à presença daquela flor.

Mas a flor, por não entender sua missão, sentia-se muito só. Se existia um motivo para a sua vida, qual seria ele?
Os grãozinhos de areia tentavam se comunicar com ela, mas por pertencerem a dimensões, ou reinos diferentes (vegetal e mineral), eles não conseguiam transmitir à flor o quão importante e necessária era a sua presença ao deserto.

Em cada amanhecer, a flor olhava ao redor em busca de algum sinal de vida. Deprimida, ela, então, definhou e morreu.

Os grãos de areia, que nada puderam fazer, entristeceram-se.
Já não queriam mais passear e até o vento, naqueles dias, desistiu de soprar... Perguntavam eles:

- Será que a flor que procurava vida ao seu redor não percebeu que ela era a própria vida? Ela era a alegria e o colorido da paisagem! Por que insistiu em procurar fora aquilo que estava dentro dela?

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